ORIGENS E HISTÓRIAS DE NOSSA CULINÁRIA



“Sem o uso de temperos fortes e 
com a utilização abundante do limão 
e da cachaça no preparo das carnes, 
o sabor da típica cozinha mineira 
ganhou fama além das montanhas”.
(Dona Lucinha, Folder “Turismo Rural em Minas Gerais”)

A culinária serrana é típica representante da tradicional comida mineira. Suas origens estão principalmente nas milenares culturas indígenas de Minas, nas senzalas dos negros escravos, nas lendárias caravanas de tropeiros e nas cozinhas das esposas de portugueses e mineradores, que chegaram à cidade para explorar as ricas lavras ou para movimentar a burocracia da antiga Vila do Príncipe. Assim, recebeu a influência das cozinhas portuguesa e francesa, além da afro e indígena, razão pela qual costuma-se dizer que “possui sabor universal.”

Segundo Dona Lucinha, serrana que se tornou símbolo da cozinha mineira, a predominância, por razões históricas, é dos “hábitos e sabores afro-indígenas, sendo abundantes a presença da mandioca, do milho e dos brotos nativos”. Aliás, através do livro imperdível, “História da Arte da Cozinha Mineira”, Dona Lucinha nos revela toda a saga dos sabores do Serro e de Minas. 


O feijão tropeiro é o cartão de visitas do Serro, herança dos tempos em que a cidade era passagem obrigatória de todas as tropas que circulavam pelo centro-norte-nordeste de Minas. Mas há também uma rica variedade de pratos, como o frango ao molho pardo, costelinha com canjica, carne ou frango com quiabo, a tradicional feijoada, angu, tutu à mineira, samambaia com costelinha, orapronóbis com carne de porco ou costelinha, carne de sol com mandioca, iô-iô/iá-iá (refeição feita com fubá, carne de porco e mostarda), além de magníficas tortas salgadas.

E há também os diversos temperos caseiros (sal, alho, pimenta malagueta, cebola, salsa, cebolinha, urucum). A farinha, seja de mandioca ou de fubá torrado, são usadas como complemento obrigatório em todas as mesas.

Historicamente, os fogões de lenha, as colheres de pau e as panelas de pedra-sabão fazem parte dos requisitos para o preparo dos alimentos, compondo o ambiente da cozinha e embelezando as mesas das montanhas e sertões de Minas.


- Bebidas

“É muita cachaça.
 É um cheirinho de cana madura...
 Saudades do engenho
 que me entram pela alma...”
 (Maria Coeli Simões Pires, do poema “O Engenho Velho”)

Também fazem parte do cardápio da mesa tradicional serrana as bebidas típicas regionais, como os licores (de figo, genipapo, jabuticaba, laranja e pequi), o vinho caseiro, a cachaça e a caipirinha. Mas nenhum supera a cachaça, na preferência popular.   

Cachaças fabricadas no Serro
Cachaça - Este é um produto totalmente ligado às raízes do Serro e de Minas. O mais antigo e genuíno produto da indústria artesanal tupiniquim chegou ao Serro junto com os primeiros exploradores. Já produzido no nordeste desde o século XVI, passou às terras serranas a partir dos currais da Bahia e dos primeiros plantios da cana, para sustento dos aglomerados urbanos que se formavam em torno dos garimpos. Também nesta área foi decisiva a contribuição do negro africano, conhecedor das técnicas de produção tanto na África quanto nos engenhos do nordeste.

- História da Cachaça:
Nascida nas senzalas e já comemorando os seus 450 anos de história, a cachaça passou à mesa dos senhores de engenho lá pelos fins do século XVII. A partir daí, o que era para ser originariamente bebida exclusiva para os escravos, passou a ter grande importância econômica no Brasil.

As constantes proibições impostas pela Coroa, desde 1639, sob a alegação de concorrência com os vinhos “do reino”, não lograram êxito. Em 1756, rendendo-se à realidade, a Fazenda Real desiste da repressão e prefere tributar as aguardentes “da terra”, com vistas à reconstrução de Lisboa.

Em 1773, a cachaça presta um dos maiores serviços à nação. Capitulando definitivamente, a Coroa esquece de vez as proibições e cria o “Subsídio Literário”, tributo sobre o comércio da aguardente e das carnes, destinado a sustentar os Professores Régios, que formaram várias gerações de brasileiros. Documentos da Real Fazenda Portuguesa, ainda existentes, registram que, em 1776, a Vila do Príncipe é a 4.ª maior produtora de cachaça da capitania de Minas. Mas, devido às constantes proibições e perseguições, a cachaça acaba se tornando um dos símbolos dos ideais de liberdade e brasilidade da Inconfidência Mineira, posição depois retomada durante a Semana de Arte Moderna, em 1922.

De bebida de escravos a concorrente dos finos vinhos europeus, de símbolo de protesto a moeda de compra de negros na África, de remédio contra enfermidades a financiadora da educação nacional, a cachaça foi assumindo o seu papel na história política, social e econômica brasileira. As formas de apreciá-la foram também se diversificando: pura ou misturada com raízes, folhas, cascas, sementes, frutas, preparando quentão, caipirinha, batidas, licores ou dando um toque especial nas receitas da cozinha.

No Serro, a “genuína filha de senhor de engenho”, “caninha” ou “branquinha” continua em primeiro lugar na preferência popular. Em muitos dos antigos sobrados, os porões ainda são reservados como depósito para a produção vinda da zona rural. Os apreciadores podem encontrá-la também nos bares e restaurantes ou diretamente na fonte, nos alambiques das fazendas, onde é possível acompanhar todo o processo de fabricação.

Alambiques da cachaça "Velha Serrana" (Foto: Cláudio Ferreira).
- A fabricação:
“Falar da cachaça é reviver a história das fazendas do interior mineiro. Assim como o malte escocês precisa de seus castelos e suas lendas, a cachaça precisa de suas fazendas e de seu folclore”. Produzir cachaça do jeito que só o mineiro sabe é garantir a tradição, um ingrediente indispensável a esta bebida destilada. E neste campo, Minas Gerais tem dado saltos importantes: tradição e evolução caminham juntas. O desafio tem sido o de aprimorar a qualidade e a técnica, sem perder a confiança que os brasileiros já depositam no produto há séculos.

No Serro - uma região que a natureza privilegiou com vales verdes e férteis, muitos rios e córregos, clima temperado e solo propício ao plantio - a cana cresce doce e forte. Ali nasceram e cresceram centenas de alambiques, que hoje, embora em menor quantidade, mantêm o mesmo processo desenvolvido pelos antigos, aliado a tecnologias cada vez mais modernas. Tudo isto para fazer com que esta bebida 100% nacional continue conquistando o Brasil e o mundo.


- Quitandas


Biscoitos caseiros (de goma, nata, manteiga...), roscas, pães, bolachas, bolos, salgadinhos típicos e o saboroso pão de queijo são atrações imperdíveis para qualquer visitante. Feitos em casa ou por experientes quitandeiras espalhadas pela cidade, já em modernos fornos elétricos ou ainda nos tradicionais fornos de barro aquecidos a lenha, estes petiscos complementam a “volta ao passado histórico das Minas Gerais”, que a cidade proporciona. Joaquim de Salles enumera com emoção, no incomparável livro “Se não me falha a memória”, alguns dos itens que compunham as mesas tradicionais do Serro, no século XIX : “Depois iam todos para a sala de jantar, reconfortar o estômago com chá-da-índia, leite, rosca fofa, bolos e outros sequilhos...” 

Servidos normalmente no café da manhã e no lanche da tarde, as famílias locais ainda não perderam o hábito de deixar a mesa servida durante quase todo o dia, para os vários cafés furtivos que dão saúde, sustância e tradição ao interior mineiro. 


- Doces


“Os mineiros têm uma queda particular 
para a arte de confeiteiro”.
(Saint-Hilaire)

As sobremesas serranas, confeccionadas com apuro artístico, são famosas no país. Originalidade e sabor dão tempero aos doces feitos com frutas típicas, servidos em tradicionais compoteiras multicores e complementadas com o indispensável queijo do Serro.

São tradicionais na cidade os doces em formato de animais (galinha, peixe, etc), seja de leite ou de frutas. As mesas estão sempre adornadas com os doces de frutas curtidas em pedaços, cristalizados ou em calda. A cada estação, os doces variam, conforme as frutas da época. Pode ser marmelo, goiaba, laranja, laranja da terra, abacaxi, ameixa, figo, cidra, limão, mamão. E não faltam também os de batata doce ou mesmo de abóbora.

E quem pode resistir a um canudinho, ambrozia, suspiro, quindim, cocada, cajuzinho, pé-de-moleque, rapadura, pudim, luminária ou uma miscelânea? E as insuperáveis geléias (de frutas ou de mocotó), além do doce de figo recheado com doce de leite?


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