Antecedentes da fundação do Serro Frio


- A Lenda das Pedras Verdes

Os relatos indígenas sobre fabulosas minas de metais e sobre a lenda das pedras verdes foram ouvidos constantemente, desde a chegada de Cabral ao Brasil. A maioria das indicações da época, feitas pelos índios do litoral - milenares habitantes da terra por eles chamada de "Pindorama" - apontavam para o interior, em direção à área que corresponderia mais tarde ao norte-nordeste de Minas Gerais, onde se instalariam no século XVIII a Vila do Príncipe e a grande Comarca do Serro Frio.

De tempos em tempos, expedições rasgaram a região, em busca de tais riquezas. A mais remota de que se tem notícia visitou as futuras terras do Serro Frio comandada por Francisco Bruzza de Spinozza, em 1553-54, acompanhada pelo Padre João de Aspilcueta Navarro, no tempo de Duarte da Costa, segundo Governador-Geral do Brasil. A partir da Bahia, Spinozza deslocou-se sertão a dentro cerca de 200 léguas, indo até os rios Jequitinhonha e S. Francisco e fazendo da região do Serro Frio "a primeira a ser pisada pelo homem branco, no atual território de Minas". Sua proeza foi seguida depois por outras inúmeras "Entradas", sempre guiadas pela esperança de um dia encontrar as tão cobiçadas pedras verdes.



- As Entradas inauguram o "Ciclo das Esmeraldas"

Instalada a capital do Brasil em Salvador, os esforços na busca de riquezas tomou fôlego em todas as direções. Partindo da capital ou de Porto Seguro, várias expedições adentraram as matas e sertões, fazendo do norte-nordeste de Minas Gerais, um dos caminhos mais buscados. Assim foi nascendo Minas, através do norte - muito antes das Bandeiras dos paulistas - embora esta parte da história venha se perdendo ao longo do tempo.

Em 1572, com a breve divisão do Brasil em dois governos, um na Bahia e outro no Rio de Janeiro, o Governador-Geral baiano D. Luís de Brito promoveu expedições que foram até a região do Rio Doce e Jequitinhonha. A história registra a passagem das expedições de Sebastião Fernandes Tourinho (1572) e de Antônio Dias Adorno (1574). Segundo alguns historiadores, se destinavam mais a escravizar índios, mas também já procuravam pedras preciosas. Tourinho subiu pelo Rio Doce, partindo do Espírito Santo, seguindo pelo afluente Suaçuí e depois pelo Rio Vermelho até o Pico do Itambé, passando depois à Pedra Redonda, nascente do Jequitinhonha, e retornando por ele à Bahia. Descreveu o Itambé como “uma serra áspera, coberta de matas espessas, cuja altura foi reputada igual a uma légua”. Em seu caminho colheu, pela primeira vez, várias pedras preciosas azuis e verdes, que revelaram as riquezas do interior do Brasil e deram início ao chamado "Ciclo das Esmeraldas".

Antes da chegada dos paulistas, várias outras Entradas oriundas do norte e do Espírito Santo tocaram o Serro. Marcos de Azeredo Coutinho, trilhando o caminho do Rio Doce, em duas expedições (1598 e início do século XVII), mensiona expressamente, pela primeira vez, o achado das tão procuradas "esmeraldas", enchendo ainda mais de ânimo aqueles que alimentavam sonhos e expectativas sobre as lendas minerais do Brasil. Azeredo, em sua expedição, fez o mesmo itinerário Rio Doce - Suaçuí - Pico do Itambé. Retornou com amostras obtidas nas serras próximas às margens da mítica lagoa do Vupabuçu, “depositando-as aos pés da imagem de Nossa Senhora, no convento da Penha”. Apesar desta expedição ter deixado farta documentação sobre o êxito e o itinerário da "serra das esmeraldas", Marcos não recebeu o pagamento prometido pelo Rei, recusou-se a indicar a sua exata localização e morreu levando junto o valioso segredo. Várias tentativas posteriores se fizeram para encontrá-la, com seguidas expedições adentrando as matas do Rio Doce e as escarpas do Jequitinhonha.

Fala Serafim Leite que, mais tarde, em 1646, estiveram no local onde iria nascer o Serro Frio e Vila do Príncipe, os padres jesuítas Vicente dos Banhos e Luiz de Cerqueira, à procura de ouro. Os Azeredo voltam ao interior mineiro em 1649 e 1653, sob o comando de Francisco e Diogo de Azeredo Sampaio, sobrinhos de Marcos de Azeredo. E novamente em 1660, com João Correia de Sá e a participação de Marcos de Azeredo Coutinho e Melo, filho de Domingos e neto do velho Marcos de Azeredo, porém aparentemente sem grandes resultados. São estas Entradas, páginas da vida brasileira, que transformaram a região do "Distrito das Esmeraldas" em pioneira da nova colonização mineira. Todo este movimento tem levado alguns a crerem que a antiga Vila do Príncipe já poderia ter vida social antes mesmo da vinda dos Bandeirantes paulistas - que começaram a assumir a paternidade das descobertas e a administração das minas, no final do século XVII e início do XVIII.



- O Morgado da Casa da Ponte

No século XVII, prosperavam os paulistas e o Rio de Janeiro, mais ao sul do país, mas a capital de tudo ainda era Salvador, sede do Vice-Reinado, onde viviam os senhores das imensas sesmarias da Casa da Torre (Garcia D'Ávila) e da Casa da Ponte (Guedes de Brito). Deste segundo potentado (Morgado da Casa da Ponte) era dono e senhor Antônio Guedes de Brito, que dominava todo o latifúndio que se estendia pela margem direita do Rio São Francisco, indo, segundo algumas informações, da região do Rio da Velhas (Sabará e Serro Frio) até a Chapada Diamantina (Caetité/BA), passando por Montes Claros, Itacambira e Rio Pardo. Era de tradicional família nordestina, participou da luta contra os holandeses em 1644, foi Governador da Bahia e encarregou-se de disseminar boa parte dos "currais", que iniciaram a ocupação luso-brasileira do território de Minas, através da fronteira norte. Este verdadeiro império dentro do império se assenhoreava aos poucos das terras ao seu redor, inclusive daquelas onde mais tarde seriam descobertos os garimpos do Serro Frio. E foi neste cenário que surgiram os paulistas, a partir da Bandeira de Fernão Dias Pais, explorando o interior, expandindo sua influência, buscando riquezas minerais e abrindo disputas com o senhor das terras baianas.



- As Bandeiras paulistas chegam ao Serro
(e fazem dele o ponto de encontro entre o Brasil do Sul e o Brasil do Norte):

No século XVII, em meio à busca pelas riquezas minerais, outras lutas eram travadas. Aumentava a concorrência mundial ao açúcar, o mais importante produto brasileiro da época. Por outro lado, "Portugal acabava de se libertar de 60 anos de domínio espanhol. Tinha perdido durante esse tempo várias colônias do oriente e uma parte das da África. A moeda portuguesa se desvalorizara para um terço do seu valor. Portugal precisava desesperadamente de ouro" (Miguel Mourão). E para Portugal, os maiores indícios de riquezas minerais estavam justamente na região do Serro Frio, no então chamado "Distrito das Esmeraldas". Mais que nunca, o tesouro real passou a sonhar e a depositar suas esperanças nas lendárias terras serranas (chamadas de Ivituruí), mas não tinha recursos para proceder à exploração mineral. Como forma de motivar as pesquisas, a coroa declarou, então, que concederia a particulares a propriedade das minas descobertas e o direito de exploração, além de honrarias. Estas concessões atraíram algumas importantes famílias paulistas, que organizaram-se em "Bandeiras", à cata do eldorado.

Em 1674, parte de São Paulo a Bandeira de Fernão Dias Pais, em busca da redescoberta da "Serra das Esmeraldas" - com base nas descrições de Marcos de Azeredo - abrindo definitivamente para os paulistas o "caminho do norte". Pela primeira vez, o objetivo não era somente a pesquisa ou a exploração, mas a completa colonização do interior, convencida a Coroa de que seria a única forma viável de se conhecer e aproveitar todo o potencial das riquezas minerais. Indo em direção à região do Serro Frio, passando pelo Rio das Velhas, e levando o título de primeiro governador do "Distrito das Esmeraldas", Fernão Dias percorreu um arco que avançou por grande parte do estado, seguindo a Serra do Espinhaço, o Vale do Jequitinhonha e indo, possivelmente, até a região do Rio Doce, tendo como principal referência o Pico do Itambé.

Estava preparado, assim, o terreno para as grandes conquistas e descobertas. Os caminhos do Serro Frio para a Bahia e o Espírito Santo já eram conhecidos pelos baianos e capixabas, a partir das “Entradas” e das fazendas de gado do S. Francisco (séculos XVI e XVII). A Fernão Dias coube transformar o Serro no grande ponto de ligação entre o Brasil do sul e o Brasil do norte, percorrendo os caminhos desde São Paulo até lá, que deixou batidos e com plantações de gêneros alimentícios em cada trecho estratégico da jornada. Fernão Dias e seu grupo, com o apoio decisivo do genro Borba Gato e do filho Garcia Rodrigues, fundam vários povoados. Partindo para o nordeste mineiro, encontram serras que presumem ser das tão sonhadas Esmeraldas. A expedição é atingida por violentas febres na volta para o arraial do Sumidouro, onde outra parte da “Bandeira” os aguardava, e Fernão Dias não completa a viagem. Acaba morrendo, possivelmente em terras serranas, antes de alcançar seu destino, deixando lançada a pedra fundamental do Serro Frio e do futuro estado de Minas.


- O fim do Ciclo das Esmeraldas

Após a saga de Fernão Dias, multiplica-se o número de bandeiras. Antônio Rodrigues Arzão acaba encontrando ouro em quantidade em Minas Gerais, no período de 1693 a 1695. Logo a seguir, vários bandeirantes paulistas descobrem novas jazidas em Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João Del Rei e no Serro, transformando o Brasil no maior centro mundial de produção de ouro do século XVIII. O "Ciclo da Cana de Acúcar" e o "Ciclo das Esmeraldas" dão lugar, então, ao importante "Ciclo do Ouro", responsável pela criação da capitania de Minas Gerais e de suas primeiras vilas.